Mocinha não anda. Ela desfila!
O dia 4 de fevereiro amanheceu
chuvoso como os dois dias anteriores. Ao chegar no trabalho, minha amiga e eu
percebemos que tinha uma galinha deitada no chão debaixo da chuva. Nós nos
aproximamos e ela não se moveu. Continuou deitada e mal conseguia abrir os
olhos. Sem que ninguém visse, pegamos um único pedaço de tecido disponível: um
pedaço de TNT vermelho.
Minha amiga, que tem mais experiência
com esses bichinhos, disse que ela estava muito ruim e não iria
"durar" muito tempo e que a única coisa que poderíamos fazer era
tirá-la daquela chuva. Nós a envolvemos naquele pano e a colocamos debaixo de
um registro de água, que fica no quintal da nossa creche e, muito tristes,
tivemos que ir trabalhar deixando-a lá sozinha.
No dia seguinte, pensando que a
encontraria morta, fui vê-la.A bichinha ainda estava viva e na mesma situação.
Então perguntei ao porteiro se ele não a queria levar pra casa mas disse que
não poderia e ainda falou: "Do jeito que está, não passa de hoje!"
Como eu nunca tinha colocado as mãos
em um bichinho de penas e morria de medo, não fazia ideia de como faria para
ajudar. Mas uma coisa eu já havia decidido: "se até o final do meu
expediente, ela ainda estiver viva, não quero nem saber, vou levá-la comigo!"
Mais uma vez, virei as costas e fui trabalhar.
Durante o expediente, uma colega
virou pra mim e disse: "Grasi, fizeram um despacho lá na frente e as
meninas acham que é para alguém daqui, pois está do lado de dentro da
creche." A diretora sabendo disso pediu que o porteiro que se livrasse do
tal despacho! E assim ele fez, jogando a bichinha por cima do muro mesmo,
segundo me disseram. Assim que terminou meu expediente, fui com o coração
apertado vê-la. Ela estava na calçada de olhinhos fechados, mas viva ainda. Voltei
pra creche e pedi uma caixa de papelão que seria usada para fins pedagógicos
mas depois que expliquei para o que eu usaria, a diretora, mesmo relutante,
cedeu. A mesma disse que pensou se tratar de um despacho, pois a galinha estava
num pano vermelho. Cedeu a caixa e me desejou boa sorte. Pedi para minha amiga
que a colocasse na caixa, pois eu ainda sentia medo de tocá-la.
Liguei para minha casa, mas, no
início, não tive apoio do meu marido, então fui pra casa da minha mãe. Chegando
lá, eu abri a caixa e o que eu vi foi um animalzinho extremamente carente e
debilitado. Respirei fundo e conversei com ela por pensamento: "Por favor,
não me assuste, eu só quero ajudar..." E parece que nos entendemos.
Tirei-a da caixa, dei banho para tirar toda aquela lama e ela ficou bem
quietinha. Depois de secá-la com secador de cabelo, dei dipirona para dor e
febre e soro na seringa. E a coloquei numa caixa ao lado da cama onde
dormi. Aliás, nesta primeira noite, não dormi. De meia em meia hora eu dava uma
seringa de três ml de soro, e de vez em quando eu ficava olhando para ver se
ainda estava respirando. Sinceramente eu não fazia ideia do que fazer. Imaginei
que pelos dias que estava pegando aquela chuva, estava com febre e dor. Até
mesmo porque seu corpinho estava quase que totalmente sem penas e além do mais,
ela e stava muuuito magrinha. Seus ossinhos estavam bem visíveis.
Na manhã seguinte, antes de ir
trabalhar, minha mãe e eu a levamos a um veterinário, onde todos que ali
aguardavam com seus cãezinhos comprados, conversavam sobre o valor das raças,
enquanto eu aguardava a vez do bichinho que carregava, sem penas, ser atendido.
Dá pra imaginar a cara do povo. Eu, de início, dei o nome de César, pois todos
diziam que quem tem crista grande é galo. Nem mesmo a doutora notou a
diferença. A vet disse que o galo estava com apenas um terço de seu peso ideal
(1.400kg) e possivelmente com pneumonia, mas não acreditava que houvesse
fratura, porém não me deu muitas esperanças. Receitou um antibiótico para a
secreção nos pulmões, ração específica e cortou também suas unhas, que estavam
encaracoladas de tão compridas. Depois de uns dias, levei-a de volta para minha
casa. Ela esta va melhorando a cada dia, comendo muuuito bem, porém não andava,
nem mesmo ficava de pé. Então decidi levá-la a um outro veterinário. Eu pensei
que, se tivesse uma chance dela voltar a andar, não interessava a dívida que eu
teria que fazer, mas a vida dela estava nas minhas mãos e isso era, para mim,
responsabilidade minha, só minha. E eu faria o que pudesse para vê-la andando.
Então comecei a procurar vets que atendessem a esses bichinhos, que não é nada
fácil de encontrar. Achei a Clínica Preserve (Caxias). Quando chegou minha vez
de ser atendida e tirei "Cesar" da caixinha de transporte, o doutor
levou um susto: "Ué, pensei que fosse uma calopsita, minha secretária
disse que era uma calopsita." Então ele riu. Na verdade, eu marquei a
consulta por telefone e disse que era uma ave. Não entrei em detalhes. Depois
de olhar a patinha, tentou apoia-la e então me disse que o animal estava num
estado de caquexia, só pele e osso. E não se tratava de fratura, dispensando
raio-x. Disse que precisaria ganhar músculos e reaprender a andar. Receitou
vitaminas, cálcio, outro antibiótico, vermífugo e banhos de sol. E foi o que
fiz. Com semanas de cuidados, meu esposo liga no meu celular e diz: "você
não sabe o que aconteceu! César colocou um ovo!" Eu fiquei rindo no ônibus
sozinha.
No dia do retorno, perguntei ao
doutor se havia jeito dela não colocar mais ovinhos pois ainda nem estava
andando. E ele disse que era normal, que era a resposta dela ao tratamento com
boa alimentação, cálcio, banhos de sol. Disse também que, com um pouco mais de
treino, ela já, já estaria andando. E ela começou a andar.
Hoje a Mocinha já tem seu corpinho
todo coberto por penas branquinhas, tem uma cama quentinha, que ela adora, e de
vez em quando curte um colinho.
Agora a Mocinha não anda, ela
desfila! Ontem foi dia de banho. Sei que não é muito bom dar banhos frequentes
mas, por ela ter ficado acamada por um tempinho, não podia correr riscos dela
adoecer por causa dos cocozinhos, e o banho de ontem foi porque ela fica no
banheiro me esperando chegar para soltá-la e numa dessas vezes ela me ouviu
chegando e desesperada para me ver, escorregou e caiu em cima do próprio
cocozinho e se sujou muito.
(Texto e fotos:
Grasielle Pimentel)
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