SOMOS TÃO DIFERENTES ASSIM ?
Evento realizado em Curitiba discute consciência e cognição animal.
Especialistas nessa questão polêmica estão cada vez mais preocupados com o uso
de animais em experimentos científicos e na produção de alimentos.
Por: Mariana Ceccon
No Brasil,
90% das galinhas usadas na produção de ovos são confinadas em gaiolas tão
lotadas que os animais não conseguem expressar comportamentos naturais, como
empoleirar-se, ciscar ou bater asas. (foto: Erin Van Voorhies)
A pergunta
do título deu o tom do II Congresso da Associação Médico-veterinária Brasileira
de Bem-estar Animal, realizado na semana passada, em Curitiba, para debater o
tema consciência e cognição animal. O encontro, que teve o apoio do Laboratório
de Bem-estar Animal (Labea) da Universidade Federal do Paraná, homenageou o
etólogo brasileiro César Ades, referência mundial na área de comportamento
animal, falecido em março deste ano.
Para o
especialista em ética animal Raymond Anthony, da Universidade Anchorage, no
Alaska, Estados Unidos, se usamos animais em nosso benefício, temos que nos
sentir obrigados a atender suas necessidades e a protegê-los. “Garantir
bem-estar é muito mais que apenas evitar a crueldade”, disse Anthony, para um
público formado em grande parte por estudantes de graduação em veterinária. “É
nosso dever mantê-los livres de fome, sede, dor, doença, estresse e medo.”
A
veterinária Rita Leal Paixão, do Labea, ao falar sobre o uso de animais em
laboratórios de pesquisa, condenou o procedimento muitas vezes adotado nesses
ambientes de separar animais recém-nascidos de suas progenitoras.
Ela lembrou,
a propósito, o conhecido experimento feito no final dos anos 1950 pelo
psicólogo norte-americano Harry Harlow (1905-1981), em que ele separou bebês
macacos de suas mães logo após o nascimento. Apesar de receber alimento e
cuidados médicos, os animais isolados morriam. Outras etapas do experimento de
Harlow mostraram que o recém-nascido apega-se muito mais aos que o aconchegam e
lhe dão afeto do que àqueles que o nutrem.
Ao tratar da
reação dos animais aos estímulos do meio ambiente, Paixão defendeu a
recuperação do termo ‘senciente’, cunhado pelo filósofo australiano Peter
Singer – professor de bioética da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos
– em seu livro Libertação animal, de 1975. “Animais sencientes são aqueles
capazes de expressar estados mentais a partir de sensações físicas”, explicou a
veterinária da UFPR.
De acordo com o
filósofo australiano Peter Singer, a senciência animal é a capacidade do
indivíduo de expressar estados mentais a partir de sensações físicas. (foto:
HSUS)
Segundo
Raymond Anthony, o número de animais mortos em laboratórios de pesquisa nos
Estados Unidos chega a 25 milhões por ano. No que se refere a animais criados
para consumo alimentício, o número de indivíduos abatidos anualmente em todo o
mundo atinge nada menos que 80 bilhões.
“São números
alarmantes”, considera Anthony, para quem a questão da consciência animal
precisa ser encarada seriamente no campo da neurociência. “Ter consciência é um
tudo-ou-nada, isto é, determinado grupo animal tem ou não consciência, ou
trata-se de uma questão de grau?”, pergunta-se.
Declaração de Cambridge
A questão,
embora controversa, tem um aspecto cada vez mais aceito por um número cada vez
maior de neurocientistas: “os humanos não são os únicos animais com as
estruturas neurológicas que geram consciência”.
A afirmação
está na Declaração de Cambridge sobre Consciência, publicada em julho passado,
na Inglaterra, durante uma conferência sobre consciência em animais, humanos e
não humanos, com a assinatura de 25 eminentes pesquisadores.
De acordo
com esses neurocientistas, as estruturas do cérebro responsáveis pela produção
da consciência são análogas em humanos e outros animais (todos os mamíferos,
aves e outras criaturas, inclusive polvos).
Signatário
da Declaração de Cambridge, o neurocientista norte-americano David Edelman, do
Instituto de Neurociências, em San Diego, Estados Unidos, disse, em recente
entrevista à Ciência Hoje, que consciência, para ele, “é a capacidade que tem
um indivíduo de perceber um cenário integrado de informações sensoriais e
mantê-lo em sua memória”.
Militância
Durante o
evento de Curitiba foi lembrado o trabalho de organizações, como a Humane
Society Internacional (HSI), que vêm lutando para diminuir o consumo de
produtos de origem animal. De acordo com o último relatório da organização, a
produção animal é responsável por cerca de 70% do desmatamento da floresta
amazônica e por mais de 60% das emissões brasileiras de gás metano na
atmosfera.
Para a
veterinária Carla Molento, fundadora do Labea, as pessoas que têm informação e
insistem em ignorar a senciência animal revelam descaso pelo problema do
sofrimento ou são portadoras do que ela chamou de “dissonância cognitiva”.
Segundo
Molento, quem trabalha em abatedouros geralmente não quer falar sobre esse
assunto. “O sentimento que envolve essas pessoas durante toda sua jornada de
trabalho deve ser parecido com o que temos quando alguém fala de produção
animal enquanto comemos um bife durante o almoço.”
Mariana Ceccon - Especial para CH On-line/ PR
(Postado em Tribuna Animal)
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